Visite:

www.facebook.com/ATocadaLoba ;)

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Amores de Verão - Os Gemidos

A solidão às vezes é um bálsamo, filosofou Leonardo, repoltreando- se no sofá da sala. Depois de algumas decepções rascantes com as mulheres, encontrava grande prazer em ficar sozinho. Acabara de entrar no epílogo de um Chandler e, a cada parágrafo, refrescava a garganta com dois goles gelados de cerveja. Era verão, e Porto Alegre estava silenciosa. Talvez por isso tenha conseguido ouvir aquele primeiro gemido, embora tivesse sido um nadinha, um suspiro: Ah…
Um suspiro de prazer. De mulher. Leonardo ficou atento. As três linhas seguintes, leu sem entender. Logo, o suspiro se transformou em um gemicar nítido. Leonardo estacou, o livro nas mãos, a cerveja chocando. Olhou pela janela. De lá, veio um ai. Aaaai. Depois um ganido alto. E outro. E mais outro.
Leonardo fechou o livro. Correu à janela. Olhou para fora. Os gemidos vinham de algum apartamento no andar superior. Ele morava no 8º, o edifício tinha 12 andares, mas a maioria dos moradores migrara para a Orla. Quantas mulheres restavam do 9º para cima? Leonardo calculou, enquanto os gemidos se tornavam mais fortes. Duas… três solteiras. A jornalista e a advogada no 9º, a secretária no 10º. Os gemidos viraram urros.
- Mais! -  gritava ela.
-  Assim! Assim! Leonardo sentiu-se excitado. Seria a jornalista? Devia ser. Longas pernas. Desinibida. E usava minissaias.
-  Ah! Oh! -  gritos, agora.
-  Ai, meu Deus! Ai, João Carlos! João Carlos!
Leonardo passou a admirar o João Carlos. E a invejá-lo. Estava tendo um excelente desempenho, pelo que podia ouvir.
No dia seguinte, a expectativa de Leonardo era grande. Será que ele encontraria a jornalista no elevador? Será que ela estaria com o João Carlos?
Não estava. Quando a porta do elevador se abriu, deparou com a secretária e a advogada, nada da jornalista ou do João Carlos, aquele garanhão. Cumprimentou as duas e ficou a avaliá- las com a esquina do olho. A advogada toda séria, com sua morenice confinada dentro de um tailleur. Alta, mais de 1m70cm, apresentava-se nos tribunais atrás de óculos de aros grossos e debaixo de um coque sóbrio. Aquela sisudez não combinava com latidos de prazer na madrugada. Além disso, a experiência de Leonardo com advogadas não era boa. Melhor descartar a advogada.
A secretária combinava um pouco mais. Pequeninha, empinada, cheia de ângulos agressivos, era daquelas baixinhas elétricas, Leonardo tivera algumas do gênero. Também o decepcionaram. Olhou de uma para outra, perscrutador. Teve a impressão de que a advogada devolvera o olhar. Devia ser só impressão… Pena que a jornalist a não aparecera. Uma jornalista de minissaia não o decepcionaria.
Leonardo passou o dia pensando ora nos gemidos, ora nas férias que tiraria dali a 48 horas. À noite, chegou em casa suado. Cozinhou um macarrão vulgar, porém rápido. Planejava sair para ver um filme, qualquer coisa que não fosse comédia romântica, quando eles recomeçaram. Os gemidos. Leonardo deslizou para a janela.
-  Walace! -  ela berrava. -  Walace!
Walace? E o João Carlos? Leonardo ficou perplexo com a troca de parceiro. Ela demonstrara tanto entusiasmo na noite anterior… Em todo caso, o Walace parecia estar se saindo bem.
-  Maravilha, Walace! Maravilha, Walace!
Leonardo, nervoso, limpou o suor da testa e murmurou: “Esse Walace…”. Não saiu mais de casa. Nem dormiu direito. A vizinha era, óbvio, um tufão sexual. Decidiu que precisava abordá-la. Se o Walace e o João Carlos tiveram sucesso, por que ele não teria? Imaginou seu nome reboando num grito de prazer pelo poço de luz.
De manhã, a porta do elevador se abriu, mas, atrás dela, sorria apenas a pequena e espevitada secretária. Ela o cumprimentou, bem disposta. Tudo bem? Tudo, respondeu ele. Mas não estava tudo bem. Leonardo queria a jornalista!
À noite, decidiu que não sairia. Ficaria esperando pelos sons que desabariam dos andares superiores. Esperou, esperou, já havia se deitado, até que, por volta das 2h, recomeçaram os ais e os uhs e os ahns. Leonardo saltou da cama. Correu para a janela, pôs-se a escutar. A voz rouca gemia com plenitude:
-  Geraldo! Geraldo!
O terceiro em três dias. A mulher era uma messalina! Leonardo enlouquecia no seu apartamento. Tinha que abordar a jornalista. Por Deus! Já planejara o que lhe diria: a convidaria para passar alguns dias com ele, numa casa que alugara em Santa Catarina. Ela não resistiria. Afinal, nenhuma mulher haveria de querer passar o verão na canícula de Porto Alegre.
Só que, de manhã, no elevador, quem ele encontrou foi a advogada. Ela sorria, mas Leonardo quase a destratou. Queria a jornalista!
-  Oi -  a morena puxou conversa. Leonardo não quis nem saber. Encarou- a, aflito, e perguntou:
-  Tu sabes qual é o apartamento da jornalista?
Ela abriu a boca, espantada.
-  A Patrícia? -  disse, decepcionada.
-  É o 911.
Novecentos e onze. Leonardo decidiu não perder mais tempo. Não desceu do elevador. Apertou o botão do 9º. Bateu à porta do 911 com convicção. Patrícia abriu, linda, num chambre curto. Leonardo não vacilou. Sabia o que dizer.
-  Quero te fazer um convite -  ofegou. A seguir, falou sobre a casa em Santa Catarina. -  Sei que é loucura, mas quero que tu vás comigo. Podes ir comigo? Ao menos durante o fim de semana?
Ela olhou para ele com olhos redondos de inocência e, depois, para sua retumbante surpresa, respondeu, seca:
-  Posso.
Em vez de um fim de semana, passaram 15 dias em Santa Catarina. Duas semanas de glória. Ela fora meio tímida, a princípio, mas Leonardo a incentivara, pedia que gritasse seu nome, e ela, obediente:
-  Leonardo! Leonardo!
Ao voltarem para Porto Alegre, sabiam que não mais se separariam, que estavam juntos para ficar. Patrícia fez uma jantinha para eles. Uma delícia. Assistiam a um filme no vídeo, agarradinhos no sofá. Então, os gritos começaram. Uma mulher, aquela mulher de duas semanas atrás, rugindo de prazer:
-  Feliciano! Feliciano!
Leonardo saltou do sofá. Olhou para Patrícia, furioso.
-  Quem é essa?
Patrícia riu.
- Ah, é a louca da Joana, a advogada.
- A advogada! – rugiu Leonardo. – A advogada! – e olhando para Patrícia, agora assustada, num canto do sofá.
- Por que tu me enganaste? Por quê?
Saiu pela porta para nunca mais voltar. Para Leonardo, as mulheres eram só decepção.

David Coimbra, 16.02.2011