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terça-feira, dezembro 13, 2011

E aeeeee manoooo =)

O Ator - Luís Fernando Veríssimo

O homem chega em casa, abre a porta e é recebido pela mulher e os dois

filhos, alegremente. Distribui beijos entre todos, pergunta o que há para

jantar e dirige-se para o seu quarto. Vai tomar um banho, trocar de roupa e

preparar-se para algumas horas de sossego na frente da televisão antes de

dormir. Quando está abrindo a porta do seu quarto, ouve uma voz que grita: 
 
 

- Corta! 
 
O homem olha em volta, atônito. Descobre que sua casa não é uma casa, é

um cenário. Vem alguém e tira o jornal e a pasta das suas mãos. Uma mulher

vem ver se a sua maquilagem está bem e põe um pouco de pó no seu nariz.

Aproxima-se um homem com um script na mão dizendo que ele errou uma

das falas na hora de beijar as crianças. 
 
 



- O que é isso? - pergunta o homem. - Quem são vocês? O que estão fazendo

dentro da minha casa? Que luzes são essas? 
 

- O que, enlouqueceu? - pergunta o diretor. - Vamos ter que repetir a cena.

Eu sei que você está cansado, mas... 
 



- Estou cansado, sim senhor. Quero tomar meu banho e botar meu pijama.

Saiam da minha casa. Não sei quem são vocês, mas saiam todos! Saiam! 
 
O diretor fica parado de boca aberta. Toda a equipe fica em silêncio, olhando

para o ator. Finalmente o diretor levanta a mão e diz: 
 



- Tudo bem, pessoal. Deve ser estafa. Vamos parar um pouquinho e... 
 
- Estafa coisa nenhuma! Estou na minha casa, com a minha... A minha

família! O que vocês fizeram com ela? Minha mulher! Os meus filhos! 
 
O homem sai correndo entre os fios e os refletores, à procura da família. O

diretor e um assistente tentam segurá-lo. E então ouve-se uma voz que grita:
 
- Corta! 
 
Aproxima-se outro homem com um script na mão descobre que o cenário, na

verdade, é um cenário. O homem com um script na mão diz: 
 

- Está bom, mas acho que você precisa ser mais convincente. 
 

- Que-quem é você? 
 

- Como, quem sou eu? Eu sou o diretor. Vamos refazer esta cena. Você tem

que transmitir melhor o desespero do personagem. Ele chega em casa e

descobre que sua casa não é uma casa, é um cenário. Descobre que está no

meio de um filme. Não entende nada. 
 
- Eu não entendo...



- Fica desconcertado. Não sabe se enlouqueceu ou não.

- Eu devo estar louco. Isto não pode estar acontecendo. Onde está minha

mulher? Os meus filhos? A minha casa? 
 

- Assim está melhor. Mas espere até começarmos a rodar. Volte para a sua

marca. Atenção, luzes... 
 



- Mas que marca? Eu não sou personagem nenhum. Eu sou eu! Ninguém me

dirige. Eu estou na minha própria casa, dizendo as minhas próprias falas... 
 

- Boa, boa. Você está fugindo um pouco do script, mas está bom. 
 
- Que script? Não tem script nenhum. Eu digo o que quiser. Isto não é um

filme. E mais, se é um filme, é uma porcaria de filme. Isto é simbolismo,

ultrapassado. Essa de que o mundo é um palco, que tudo foi predeterminado,

que não somos mais do que atores... Porcaria! 
 
- Boa, boa. Está convincente. Mas espere começar a filmar. Atenção... 
 
O homem agarra o diretor pela frente da camisa. 
 
- Você não vai filmar nada! Está ouvindo? Nada! Saia da minha casa. 
 

O diretor tenta livrar-se. Os dois rolam pelo chão. Nisto ouve-se uma voz que

grita: 
 

- Corta!